Memórias de um velho 

Gidalti Guedes da Silva 

Agora velho, já cansado, insistentemente tento acessar minhas lembranças, ainda que de modo desconexo e longe de uma exatidão cronológica. Lembranças condicionadas por meus sentimentos, impressões sobre o que vivi, imagens do passado que se refazem cotidianamente com novas tonalidades.

 

Doce e encantada infância a minha. Quando me achei firme e seguro nos braços de meu pai. Era tarde da noite, quando, ao chegar de um passeio com a família, meu pai sustentava na posição horizontal meu corpo franzino de menino, enquanto eu estendia meu braço esquerdo para frente no sentido do vôo que fazia. Sabia que a aventura da vida era segura, tendo um rumo certo, muito bem delineado pelos fortes braços de pai.

 

Quando jovem, tornei-me ousado, corajoso, cônscio de minhas potencialidades e reconhecedor, embora relutante, de minhas limitações. Assim seguia a vida, otimista de que minhas realizações me conduziriam naturalmente ao sucesso, à satisfação. Considerei ilusórias minhas apreensões e sentimentos da infância, julgando sobremodo mais seguras as conclusões resultantes do discernimento razoável da realidade, esta que conhecia com exatidão. E muito fiz, muito produzi! Tanto, tanto... que aqui cheguei.

 

Agora velho, já cansado e trôpego das pernas, aceito existencialmente a brevidade da vida, dos recursos, das pessoas que vêm e vão, das relações que se desfazem e refazem, do pai que só existe em minhas lembranças e não me oferece mais absoluta segurança. Sigo aqui, não mais com o fôlego e vigor da juventude, não mais seguro de minha razão positiva. Após tanto trabalho e fadiga das fábricas, sobrevivendo à violência e à solidão das metrópoles, resistindo às guerras e atrocidades, e vivenciando a liquidez das relações, não me arrisco a discernir o real com tanta exatidão, pois este me escapa aos olhos desfocados.

 

Cansado sigo, agora velho, e observo a outros meninos e jovens, seja crédulos, seja racionais, um e outro se julgando capazes de expressar a verdade. E olho para mim, perplexo diante das experiências da vida, admito nada saber, administrando a agonia interior da ausência de uma certeza. Com meus sonhos frustrados, ainda assim, prendo-me ao que não posso negar, a iminente falência deste corpo débil, a morte, que, tomada por sua antagônica expressão, desafia-me a lutar pela vida que ainda me resta e desfrutá-la com muito proveito.

 

Porto Velho, 12 de agosto de 2009.

Brasília, 17 de março de 2021.